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O FAZER COM AS MÃOS: UMA JORNADA PELA HISTÓRIA DO ARTESANATO

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Querido leitor,

Sou Eugênia Mara, e é com alegria que te convido a embarcar comigo nesta viagem. Uma jornada que começa com um simples despertar — aquele momento em que algo nos instiga, nos chama, nos move.

No meu caso, foi a curiosidade pelo artesanato: sua presença na história, sua influência no desenvolvimento da arte e da cultura, seu papel na transmissão de saberes e, principalmente, o impacto que ele exerce na vida das pessoas. Venha comigo descobrir como o fazer com as mãos molda também o espírito e perpetua histórias.

Durante o curso de Ciências Sociais, na UFMG, ao estudar antropologia, surgiram as escavações e estudos sobre ferramentas, instrumentos de caça (pedras lascadas), vestígios de utilização de fibras naturais. Abriu-se, então, esta porta para mim: a arte vinda do artesanato e sua importância em nossas vidas cotidianas. Artesanato é tudo aquilo que é feito de forma manual, pelas mãos. É uma relação direta entre a artesã ou o artesão e as diversas formas de fibras, terras, ossos, pedras, conchas, entre outras matérias-primas que encontramos na natureza em seu estado natural e que são utilizadas no dia a dia. O artesanato, assim como o artesão, se realiza à mão, sem interferência da forma industrial.

Como chegamos a eles e qual sua história e origem? No nosso cotidiano, objetos simples — faca, garfo, hashi — chegam aos nossos olhos e mãos como algo já posto. Ou seja, sua existência não é questionada. Assim como sua forma e cores: ao chegar em determinada cultura, aceitamos que é assim. Como no bordão de Chicó, personagem do filme Auto da Compadecida: “Não sei, só sei que é assim.”

Simplesmente, esses objetos existem e fazem parte do mundo ao meu redor. Sua função é simples: levar o alimento à boca. Enfim, facilitar a nossa alimentação. Mas todas as culturas utilizam faca, colher, garfo ou hashi? Sempre foi assim? Todos os povos reconheceram, desde o início, esses objetos e sua utilidade?

Utilidade! Sim, esta palavra — utilidade — e seu significado fazem parte e são fundamentais para entendermos a função do artesanato na história da humanidade. Mas isso será um tema que vamos conversando. É importante compreender que, no início, as coisas (da natureza) começaram a ser transformadas pelas mãos das pessoas em busca de facilitar o trabalho, a vida, a alimentação. Nos primeiros tempos da história da humanidade, a necessidade de sobrevivência marcou uma virada. Vamos voltar ao nosso garfo, hashi (também denominados pauzinhos, varetas) e faca.

A Faca tem origem no domínio que a humanidade foi adquirindo no manejo das mãos e das matérias-primas que estavam disponíveis na natureza — como a pedra, especialmente a pedra lascada —, e isso impactou fortemente a nossa história. Em diversos artigos científicos, “os primeiros objetos artesanais datam do período Neolítico (cerca de 6.000 a.C.), época em que as pessoas começavam a dar forma às matérias-primas para satisfazer suas necessidades cotidianas, tecendo fibras de origem animal e vegetal, polindo pedras…”
Referência: Costa, Leila Miguelina – CELACC/ECA-USP, 2012.

Faca do Período Neolítico (5000 a 2000 a.C). Lâminas de pedra com punhos de madeira, musgo ou couro para a proteção das mãos

Sobre o Garfo, existem pesquisas arqueológicas que apontam sua presença no continente africano e no Egito — com formato diferente do nosso, mas com a mesma função: facilitar a alimentação.


Garfos do Período Mediaval

O Hashi, utilizado pelos povos asiáticos (China, Tailândia, Japão, Vietnã, Coreia do Sul e Coreia do Norte, entre outros países), tem importância cultural, religiosa e histórica para esses povos. Chegou ao Brasil por meio da imigração oriental, com a vinda de japoneses, chineses e coreanos.

Pauzinhos de Bronze, Dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.). Museu da Culinária de Sichuan – Pixian, Chengdu

Com a popularização dos doramas — termo que se refere a séries de televisão asiáticas —, a cultura asiática entrou com força em nossas casas, trazendo sua culinária, bebidas, temperos e hábitos para o nosso cotidiano.

Vamos falar sobre o hashi, que teve origem na China, há cerca de 4.000 a 5.000 anos. Neste primeiro momento, ele não era utilizado para levar comida à boca, mas sim, devido ao seu tamanho, para pegar alimentos e cozinhar. “Antes disso, alguns povos costumavam se alimentar utilizando colheres improvisadas ou, simplesmente, os dedos como principal ferramenta para pegar a comida.”
Fonte: A história do Hashi – Takashi, Culinária Japonesa, 2020.

Ao chegar ao Japão, o hashi foi reverenciado. Na grafia japonesa, seu significado se aproxima de “ponte” — ou seja, para os japoneses, o hashi estabelecia uma ponte entre o humano e o divino. Sua função era compartilhar os alimentos com os deuses a partir do momento em que um par de hashi fosse oferecido às divindades. Ainda hoje, esses rituais são comuns no Japão.
Fonte: A história do Hashi – Takashi, Culinária Japonesa, 2020.

Colheres e pauzinhos de bronze da Tumba Real do Rei Muryeong (reinado de 462 a 523). Museu de Gongju, Coreia.

É simplesmente incrível a história da humanidade e a influência do clima, do terreno — montanhas, planícies rochosas, proximidade com o mar, rios, lagoas — na formação da cultura e do conhecimento. Pensar sobre o desenvolvimento da humanidade, em todos os campos, é se colocar neste lugar e naquele tempo. Já imaginou fazer roupas inteiras utilizando apenas as mãos? Tecer fibras na roca, manualmente, com as mais diversas matérias-primas? Já pensou nas ferramentas e técnicas utilizadas antes da tesoura, das agulhas, das réguas? Antes da máquina de costura?

Como era para tecer até chegar ao tecido? E os bordados, as joias, as tintas, as pinturas?

A humanidade, através das migrações — e de forma bem lenta —, foi tendo acesso ao conhecimento de outras culturas, enfrentando superstições, segredos guardados a “sete chaves”, novidades que levavam décadas para chegar de um ponto a outro.

A escrita e a leitura eram para poucos, o que limitava — e muito — a expansão do saber. Mas isso é para a próxima coluna.

Espero ter provocado sua curiosidade.
Até lá!
Mara

Capa: Ilustração: Hominídeos e Hienas, Alto Paleolítico / Crédito: Getty Images